2.2 - A Bula do Papa
Inocêncio IV
A Bula
Papal Sic in Sanctis de Inocêncio IV,
de 25 de novembro de 1252, é o primeiro documento oficial da Igreja e, também,
o mais antigo concernente a Rosa de Viterbo. O fato de ter sido exarada pouco
tempo após sua morte – um ano e oito meses - revela-nos muito sobre o conceito
que ela tinha entre os seus contemporâneos. A aura de santidade que a envolvia
fica patente, a admiração dos seus concidadãos, bem como a notícia dos milagres
alcançados por sua intercessão.
Depreende-se que tal bula é uma
resposta ao clero, autoridades e povo de Viterbo, que haviam solicitado a
abertura de um processo de canonização. De tal missiva endereçada ao Papa não
há notícia, até o momento, de que tenha sido preservada, em algum local. Nenhum
biógrafo, antigo ou contemporâneo, manifesta ter conhecimento desta missiva.
Ela tornou-se muito importante para os estudiosos recentes que, mais cuidadosos
sob o ponto de vista cronológico, por exemplo, puderam corrigir vários erros
cometidos por biógrafos antigos, permitindo, via de consequência, fixar com
fidedignidade alguns acontecimentos da vida de Rosa, como o próprio ano de seu
nascimento, e da morte, que foram motivo de disparidades grosseiras nas antigas
biografias.
Seu conteúdo provoca uma série
de ilações. Infere-se, por exemplo, que o Pontífice ficou bastante sensibilizado
com a solicitação que lhe foi dirigida e mostrou-se muito simpático à causa.
Confirmar-se-ia, então, uma tradição de que este a canonizaria brevemente se
não falecesse pouco tempo após a abertura do processo.
Neste primeiro testemunho
oficial da Igreja sobre a santidade de Rosa já podemos constatar que os
milagres atribuídos à sua intercessão eram flagrantes: clara miraculorum indicia, diz a Bula, ou seja, “evidência clara
de milagres”.
O Papa é assertivo, também,
quando fala das virtudes e heroísmo de Rosa: manteve intacta a flor de sua virgindade, elevada
pureza de coração, e uma vida impecável à altura da perfeição e muito heroísmo.
(grifo nosso).
É possível que o Papa Inocêncio
IV houvesse tido informações sobre as virtudes e ações de Rosa enquanto esta
ainda vivia, pois a Bula deixa certa margem para esta interpretação. De fato,
Viterbo era uma cidade muito importante para o Papado, e seria pouco provável
que uma atividade como a de Rosa ficasse restrita ao conhecimento da população
local e passasse totalmente despercebida pela hierarquia eclesiástica, até
mesmo do Sumo Pontífice.
Rosa fora exilada de Viterbo
por ter se tornado deveras inconveniente para os partidários de Frederico II e
sua fama já ultrapassara as muralhas da cidade, como se constata por sua
passagem em Vitorchiano e Soriano del Cimino.
Assim, quando o Papa a descreve como “cheia
de coragem a tão invencível Rosa, sua serva, de venerada memória”, é
provável que estivesse se referindo aos seus próprios conhecimentos sobre ela.
Recomenda, contudo, toda cautela aos destinatários da Bula, como é protocolar
em um processo de canonização.
Inocêncio
Bispo, Servo dos Servos de Deus
Diletos
filhos etc.
Nosso Deus, que é maravilhoso em seus
santos, e abençoado eternamente, tem, no deserto desta vida mortal, adornado
com tantas virtudes e cheia de coragem a tão invencível Rosa, sua serva, de
venerada memória, que em meio aos perigos do mundo manteve intacta a flor de
sua virgindade, elevada pureza de coração, e uma vida impecável à altura da
perfeição e muito heroísmo, como uma propagação odorífica de uma rosa ao seu
redor com a fragrância de seus exemplos sublimes. Finalmente, de acordo com,
pelo menos, a crença piedosa dos fiéis, ela merece sentar-se no trono da glória
eterna, e fazer parte dos coros celestiais de virgens; como demonstrado, temos
a certeza, as evidências claras de milagres que a bondade de Deus opera na
terra através de sua intercessão.
Além disso, uma lâmpada não deve ser
escondida debaixo do alqueire, mas brilhar aos olhos dos crentes e não crentes,
para o fortalecimento da fé, o nosso muito querido filho, o bispo eleito, o
clero, o conselho e as pessoas de Viterbo, animados, com razão, justamente por
estes milagres, pediu-me humilde e respeitosamente para abrir um procedimento
informativo relativo às fragrâncias de santidade desta nova rosa para dizer
sobre os méritos de sua vida e milagres a ela atribuídos; de modo a que goze da
bem-aventurança e recompensa na Igreja Triunfante, e receber, simultaneamente, dentro
da Igreja Militante, as honras que são devidas a esta virgem gloriosa que
brilhou tão grandemente diante dos homens e para que seja reconhecida e louvada
como um dos protetores dos homens diante de Deus.
Queremos acolher este desejo com bondade;
mas, numa decisão de tal importância, é preciso proceder com maturidade, de
modo que os hereges, que difamam os bons e tentam encontrar manchas até nos
eleitos, não encontrem qualquer pretexto para insultar os fiéis; por nossa
carta apostólica, nós prescrevemos o seguinte à vossa prudência bem conhecida.
Vós deveis cuidar que compareçam perante
vós legalmente e interrogar sobre a vida e os milagres de Rosa, sem omitir
qualquer circunstância, todas as testemunhas, credíveis e com as qualificações
exigidas por lei, o que for possível conhecer e produzir; vós procedereis,
neste exame, a fórmula de interrogatório que nós vos transmitimos; vós
redigireis fielmente por escrito e oporás vosso selo; vós os depositareis, em
seguida, em diversos locais seguros e os conservareis, até que, a pedido do
bispo eleito, do clero, do conselho e das pessoas de Viterbo, ou nosso próprio
ordenamento, nós os reivindicarmos para julgar a causa sobre esta matéria. Não
obstante etc.
Dado em Perugia, 25 de novembro. Ano décimo
de nosso pontificado
INNOCENTIUS
EPISCOPUS, Servus Servorum Dei.
Dilectis
filiis Priori Fratrum Praedicatorum et archipresbytero S. Sixti Viterbien,
salutem et apostolicam benedictionem
Sic, in sanctis suis mirabilis et
benedictus in saecula, Deus noster Venerande Memoriae Rosam virtute ac
fortitudine, in huiusmodi vitae solitudine, dicitur solidasse ut, inter
mundanos incursus et vitiorum illecebras, virginei floris integritate servata,
per virtutum ardua immaculato calle pertransiens, ac nitorem in conscientia
praeferens, foris aliis, velut rosa, redoluerit per exemplum ac tandem,
secundum pietatis fidem, thronum gloriae conscendere meruerit choris virgineis
sociata, prout clara miraculorum indicia quae in terris divina bonitas operari
dicitur, protestantur.
Ne lucerna sub modio lateat sed ad
veritatis agnitionem infidelibus et fidelibus ad fidei fulcimentum, his sane
miraculorum signis ac prodigiis dilecti Filii electus, cleros, consilium et
populus Viterbien. Mérito, quin potius meritorie excitati, nobis humiliter et
humaniter supplicarunt ut fidelium testimonia super ipsius novellae Rosae
fragantia, videlicet vitae meritis, miraculorum assertionibus, recipi
faceremus; ita quod quae felicitatis potiri creditur praemis in Ecclesia
Triumpahnti, in militante quoque honore côngruo celebris habeatur et quase
gloriosa Dei virgo coram hominibus claruit, pia innotescat patrona pro
hominibus coram Deo.
Nos igitur ipsorum laudabile votum favore
benévolo cupientes prosequi, cum in re tam profundi judicii tanta expediat
maturitatis cautela procedi ut iis qui, perversitatis haeriticae fermento
corrupti, loqui audent mala de bonis et in electis fingere maculam, ut
ecclesiae sponsae Christi species decoloretur in membris, nullus insultandi
fidelibus aditus relinquatur, discretioni vestrae, de qua plenam in Domino
fiduciam obtinemus, per apostólica scripta mandamus quatenus super illius Rosa
evita et miraculis testes, fide dignos atque legitimos, quos undecumque produci
contigerit coram vobis, legitime recipere ac de singulis circumstantiis, juxta
interrogatorii formam quam vobis sub Bulla nostra transmittimus, prudenter
examinare curetis et ipsorum dicta, fideliter in scriptis redacta et sub
propriis inclusa sigillis, in diversis locis caute servanda deponere studeatis,
donec, praedictis electo, clero, consilio et populo nobis supplicantibus, vel
motu nostro ca viderimus requirenda, ut tunc, eis inspectis secundum Deum,
prout motum nostrum res clarius nota formaverit, in negotio procedamus. Non
obstante indulgentia, qua tibi, Fili Prior, specialiter vel Ordini tuo
generaliter a sede apostólica etc.
Datum Perusii, VII kalendas decembris,
Pontificatus nostri anno decimo.
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