3 - Processos de
Canonização
3.1 - Vita Prima
A '''Vita Prima''' - ou '''Vita I''' – é a narrativa que consta do primeiro processo de canonização de Santa Rosa. Dela só foi preservada um pequeno fragmento. Contudo, é de preciosíssimo valor em virtude de ter sido escrita imediatamente após seu falecimento, mediante ordem do Papa Inocêncio IV através da Bula Sic in Sanctis, de 25 de Novembro de 1252, com depoimentos de pessoas que tiveram íntimo conhecimento dela: tal como o pai, Giovanni, e a mãe, Caterina, dona Sita, e, provavelmente, religiosos e populares testemunhas diretas dos eventos.
Diz
o fragmento[1]:
1 - Em primeiro lugar,
enquanto a virgem acima mencionada estava gravemente doente[2],
nem qualquer das pessoas [presentes] lhe dirigia mais a palavra, começou a ver as almas dos mortos e conhecer
aqueles que nunca tinha visto, que tinham deixado a terra trinta ou vinte anos
antes que ela nascesse; e nomeava os bons e os maus. Isso ela fez de terça a
quarta-feira.
2 - Na noite de
quarta-feira, enquanto a mãe da beata [Rosa] virgem e muitas outras mulheres
observaram e acreditaram que ela iria expirar a alma, e sua mãe queria dar-lhe
algo para comer, a virgem disse à sua mãe: "Eu quero comer, mãe, porque
amanhã será a véspera do bem-aventurado João Batista"[3].
E imediatamente levanta-se, com grande alegria, louvando ao Senhor, à Virgem
Maria e Sant'Ana, e todos os santos e santas de Deus; e orou ao Senhor, para conceder o rei da
França[4]
o poder e a força para eliminar os pagãos [Sarracenos].
3 - E, de repente, prostrou-se nua no chão, em forma de cruz,
chorando, e dizendo para a mãe: "Mãe, todas as coisas e as delícias deste
mundo eu te deixo e renuncio"; e
suplicou à mãe dizendo: "Eu quero,
oh mãe, que dona Sita me coloque uma túnica, me cinja com cordões e corte meus
cabelos com os de um clérigo". E imediatamente a predita dona Sita
dirigiu-se à beata virgem Rosa e lhe disse: "Eu não sou digna filha para
fazer o que você diz." E ela respondeu: "A Virgem Maria me ordena que
tu me coloque de imediato a túnica de penitência que tens na cabeça de tua
cama." E a mesma dona Sita respondeu: "Filha, permita que teus
parentes venham [para a
cerimônia]." E a virgem [Rosa] disse: "A Virgem Maria me
comandou que eu peça a ti. Faça o que eu te disse”. E a mãe disse: "Não temos uma amarra de
asno?". E a mãe fez como ela tinha ordenado. Então, a mencionada dona Sita
fez o que lhe ordenou a mesma [Rosa] virgem.
4 - Depois chamou a mãe e
disse-lhe: "Mãe vá e acorde todas
as mulheres do distrito".
E era noite. E a mãe
disse-lhe: "Filha, quem ficará contigo?". E a virgem [Rosa]
respondeu: "O Espírito Santo vai estar comigo." E a mãe foi e seguiu
a ordem da beata virgem [Rosa].
5 - Em seguida, todas as
mulheres se levantaram e foram até a mesma virgem [Rosa]. E esta disse às
mulheres: "Venham todas para fora da casa, porque a Virgem Maria
saiu." E elas saíram atrás dela e começaram a sentar-se; e a virgem [Rosa]
estava sentada no meio, e começou a dizer às mulheres: "Escutem, porque eu
vejo uma bela esposa de Cristo, que nenhuma de vós vedes; esta esposa avança
adornada de púrpura e véu, com uma coroa de ouro, cheia de gemas e pedras
preciosas em sua cabeça. Ela comanda-me para ir, bem adornada, primeiro em
"San Giovanni", em seguida, em "San Francesco"[5],
e depois retornar para a "igreja della Madonna"[6].
E fez tudo isso no dia seguinte, como lhe fora ordenado, e sempre, onde quer
que fosse, ela carregava uma Maestá[7].
6 - Mas porque uma multidão
de pessoas chegava continuamente na casa da dita virgem [Rosa] para ver o que
ela fazia, seu pai começou a ameaçá-la, e lhe dizia: “Se você não parar de
fazer o que está fazendo eu vou te arrancar todo o cabelo da cabeça”. E a
virgem [Rosa] respondeu: “Não me importo, porque por nós foram arrancados todos
os pelos da barba de Nosso Senhor Jesus Cristo; e eu não temo de suportar tal
sofrimento por Ele”.
E o pai lhe disse: “Se você
não parar te deixarei bem amarrada”. E a predita virgem [Rosa] respondeu: “Até
nosso Senhor foi preso numa coluna; e eu não temo ser presa por Ele”. E a seu
pai, com grande respeito mas com multas lágrimas, dizia: “Não queira
contradizer-me, ó meu pai! Se não contradizer-me, o meu Senhor Jesus Cristo te
unirá aos anjos e aos santos no paraíso; mas se me contradizerdes, eu farei o
mesmo, porque o Senhor me comandou que o faça”. E o pai chorando disse: “Com a
benção de Deus, faça então”. E, a beata virgem [Rosa] disse então ao pai, à
mãe, à tia, ao sacerdote e aos outros presentes, e à predita dona Sita:
“Benza-me em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo”. E as senhoras
chegavam continuamente na casa da virgem [Rosa]. E esta foi, com aqueles que
estavam com ela, na igreja; e dizia aos outros: “Cada um de vocês vão logo que
possível à igreja, e orem por todo o povo cristão”.
7 - Além disto, tendo o
nosso Senhor Jesus Cristo aparecido na cruz à mesma virgem [Rosa], esta começou
a arrancar os cabelos, a golpear-se na face, a rasgar as vestes, e chorava com
grande devoção; e se fez levar à igreja e se ajoelhou em frente ao crucifixo e
dizia a Ele, chorando: “Pai, quem te crucificou?”. E, enquanto chorava,
alcançou-a um certo senhor G., e a levou para fora da igreja e conduziu-a para
casa. E a virgem [Rosa] depois de ser conduzida para casa, flagelou-se por três
dias, sempre chorando.
8 - Depois chamou sua mãe e
lhe disse: “Mamãe, traga-me um pouco de erva”. E a mãe foi e a levou um pouco
de menta. E a beata virgem [Rosa] disse: “Coloque-a sobre meu peito e deixe-a
estar”. E a mesma virgem [Rosa] a manteve um pouquinho; e depois a segurou na
mão e disse à mãe: "Mamãe, pegue esta erva e tenha-a o quanto mais
preciosa, porque o Senhor nosso Jesus Cristo a abençoou sobre meu peito e
depois abençoou um lado da casa, que permanecerá no meu monastério”.
9 - Em sequência, enquanto
a beata virgem Rosa percorria continuamente a cidade de Viterbo, segurando nas
mãos a cruz e louvando o nome do Senhor nosso Jesus Cristo e a Beatíssima
Virgem Maria, um indivíduo, que presidia a cidade de Viterbo em nome do
imperador Frederico II[8],
solicitado por alguns heréticos, que então residiam publicamente na mesma
cidade, que a expulsasse da cidade, fez chamar a si a mãe da beata virgem Rosa;
e a comandou, sob pena de confisco dos bens e da vida, que se fosse da predita
cidade, com toda a família, no dia seguinte. E, depois que a mãe da predita
virgem retornou à casa e disse isto à família, como havia ordenado o prefeito,
o pai da virgem [Rosa] foi até ele e suplicou-lhe dizendo: “Senhor, tenha
piedade de mim e de minha família; porque se sairmos da cidade com este tempo,
morreremos todos na neve que recobre os montes e os vales”. A ele respondeu o
prefeito: “Eu por isto mesmo vos mando embora, para que morram todos”. E ele
retornou para casa, saiu da cidade de Viterbo com a família e suas coisas. E a
neve continuava a cair.
10 - E foram para um certo
castelo chamado Soriano[9].
E assim que chegaram perto do dito castelo, a beata virgem Rosa começou a
dizer, como a ela fora anunciado por um anjo, que depois de alguns dias os
amigos de Deus receberiam uma notícia muito importante. E disse isto na vigília
de São Nicolau[10].
E não muitos dias depois de que havia predito, chega a Viterbo a notícia que o imperador
Frederico II tinha morrido no dia da vigília de São Nicolau.
11 - Depois destes
acontecimentos a beata virgem [Rosa] deixou o predito castelo de [Soriano], e
se dirigiu a outro dito Vitorchiano[11].
E tendo permanecido a beata virgem... Rosa por três[12]...
(Fim do Documento)
3.2 - Vita Seconda
A
'''Vita Seconda''' - ou '''Vita II''' - é a que acompanha o Processo
Calistiano, assim chamado por ser resultante dos depoimentos do processo de
canonização ordenado pelo Papa Calisto III. Aberto em 1º de Abril de 1457, dois
séculos depois da Vita Prima, foi fechado em 4 de julho de 1457, sem chegar a
termo, também.
Os
biógrafos mais autorizados e hagiógrafos veem, hoje, muitos vícios nesta
documentação, com alguns relatos considerados fantasiosos, sem comprovação, ou
fidedignidade. O biógrafo Paolo Cenci, v.g., apresenta o texto e faz uma
extensa crítica do mesmo[13].
Pietro
Coretini[14]
apresenta na sequência ao texto da Vita Seconda, que é de autoria anônima, a
relação, com resumos, dos depoimentos que foram anexados aos autos do processo
com os relatos dos milagres e graças alcançadas pelos depoentes. São mais de
uma centena. Foi o primeiro autor que publicou esta relação e os que lhe
sucederam tomaram-no como base para escrever suas obras. Mas, o texto de Coretini,
como é sabido hoje, é permeado de incorreções, que os autores recentes e
pesquisadores procuraram corrigir.
Diz
o documento:
Prólogo
1 - Embora as palavras e os exemplos dos santos, como diz Agostinho no livro "A Verdadeira Religião", são as migalhas do pão celestial que desceu do céu com o fim de excitar o coração do leitor, ou ouvinte, ao amor divino e à devoção daqueles santos, que durante o tempo de vida realizaram obras perfeitas, mas podem também dar força para enfrentar a penitência perfeita e árdua, e para implorar a graça da vida eterna. Por isto nosso Senhor Jesus Cristo, no Evangelho segundo Mateus, com razão, ordenou aos discípulos, dizendo: "Recolhei os pedaços que sobejaram, para que nada se perca. (João 6:12)" Da mesma forma, o apóstolo Paulo diz: "Tudo o que foi escrito - implícito: a vida e as ações dos santos - foi escrito para nossa instrução”. Estas palavras mostram claramente como os fiéis devem diligentemente examinar e lembrar as obras dos santos homens e mulheres que vieram antes deles. Elas foram realmente postas por escrito, por inspiração divina, não tanto para a glória daqueles, mas principalmente, por assim dizer, para o ensino e para a correção de vida para todos. Na verdade, como disse Sêneca, falando do costume das pessoas imprudentes: os erros são corrigidos comparando-os com um modelo.
2 - Portanto, os fiéis
cristãos ansiosos por corrigir suas vidas para melhor, e alterar seus costumes,
devem diligentemente, com uma meditação contínua, examinar as palavras e ações
dos santos, e, deixando os costumes depravados, embelezar a alma de virtudes
santas, como diante de um espelho, especialmente considerando as obras de
virtude, que o Senhor se dignou a mostrar no sexo frágil e em tenras
jovenzinhas. De fato, se hoje os homens admiram não apenas as vidas de homens
santos adultos e magnificam e glorificam a Deus nas suas ações que foram
perfeitas nesta vida por idade e força, e corrigiram e alteraram as próprias
vidas seguindo os seus exemplos, quanto mais admirarão a penitência árdua, fé
incansável e obras virtuosas das santas donzelas, que, desde a infância,
aderiram com coração a Cristo, o Senhor; certamente, muito mais do que a vida
dos bem-aventurados apóstolos Pedro, Paulo e André, os quais estavam durante a
vida na plenitude da idade e força.
3 - E a razão para isso é
que, na natureza, nas criaturas pequeninas, como a abelha, a aranha, a formiga,
a sabedoria divina brilha mais do que nas criaturas de grande porte, como no
elefante, no búfalo, no camelo. Por isso, Agostinho diz no livro
"Confissões": "Admiro a agilidade da mosca mais do que a
grandeza do camelo." E assim os homens devem admirar as penitências muito
severas das santas donzelinhas, as quais nesta vida eram pequeninas por
natureza, ou seja, considerando-se a idade e a massa do corpo, e louvar o
Senhor Todo-Poderoso em suas ações, e corrigirem a vida e tornarem-se melhor.
Capítulo
Primeiro – Santa Rosa nasce em Viterbo.
4 - Entre outras santas
virgens, das quais hoje não é difusa a fama, foi uma certa virgem chamada Rosa,
que graciosa e cheia de orvalho celeste, nasceu no jardim de Viterbo; e
tornou-se digna do nome pela virtude e santidade. Porque, de acordo com a
norma, deve o nome ser adequado à coisa,
isto aconteceu plenamente na virgem Rosa. Na verdade, como a rosa supera em
beleza as flores primaveris, assim a virgem Rosa está acima de todas as outras
virgens. Ela está acima das pessoas casadas e
dos que observam a continência, pelo menos pela candura da virgindade, sendo
sua vida mais feliz do que a daqueles. Portanto, como a rosa se destaca entre
todas as outras flores, de tal modo a virgem Rosa excede em muito as outras
pela santidade. A rosa fere os olhos com
sua imensa beleza, enquanto que com o seu perfume difuso agrada os outros
membros; deste modo, a virgem Rosa com a santidade nutre os cristãos que olham
para ela. Mesmo agora, com a suavidade de todas as outras virtudes alimenta
todos os saudáveis. Ela morreu no tempo de Sua Santidade, o Papa Alexandro IV.
(Nota).
Capítulo
Segundo – Narrativas em torno de Santa Rosa
5 – Primeiramente, para
honra do Esposo celestial, que se deleita e se alimenta entre lírios de candura
virginal, cercado por uma multidão de virgens donzelas, ao qual esta santa
virgem, desde a infância, foi unida em castíssimos abraços; de modo a honrar e
louvar esta mesma virgem Rosa, em sua memória e fama, contarei algumas coisas,
que encontrei em alguns documentos antigos, relatados por pessoas devotas e
dignas de fé, e fielmente escritas, uma vez que estas pessoas declararam ter
visto e ouvido da boca da citada virgem Rosa. Por isso, vamos, na medida do
possível, narrar no presente livro a santidade e milagres da bem-aventurada
virgem Rosa, a fim de que, não considerados cuidadosamente não sejam esquecidos
por aqueles que os conhecem, pela obscuridade que vem da passagem do tempo, uma
vez que a memória do homem torna-se fraca e desaparece, como o moralista Sêneca
ensina: "a memória esquece aquilo que não repensa frequentemente".
6 - Portanto, nós fazemos
um esforço para contar a maravilhosa vida dessa virgem, para que não escape à
posteridade; a fim de que sendo conhecida através da leitura desses escritos
seja amada, amada seja estimada, e estimada atraia a imitação daqueles que são
constantemente atormentados pela busca da felicidade. Na verdade, se tivesse
permanecido oculta, ela seria ignorada; e ignorada não haveria nem a imitação
nem o desejo; porque não podemos imitar aqueles que não conhecemos, como ensina
Agostinho: "O estranho não é amado; mais uma coisa é amada e mais é estimada",
ou como Boécio diz: "Quem pode desejar o que ignora?". E ainda qual
tal moralista: "O que está escondido é desconhecido, e a coisa
desconhecida não pode ser cobiçada". Eu reconheço que não posso sequer
enumerar todas as virtudes, os sinais e maravilhas que o Nosso Senhor Jesus
Cristo condescendeu realizar por méritos da bem-aventurada Rosa, mesmo se todos
os membros do meu corpo se tornarem línguas, no entanto, temos tantas dessas
coisas que nós descrevemos algumas, aqui.
Capítulo
Terceiro – A virtude dos santos
7 – O Eterno Criador de
todas as coisas, como ensina o apóstolo, predestinou os eleitos antes que o
mundo fosse, e somente pela graça, sem necessidade de méritos precedentes,
chamou os predestinados ao seu reino. E esta graça, nos santos e eleitos,
manifestou-se em alguns antes que saíssem do seio materno, como em Jeremias e
em João Batista, que exultou no seio materno quando a ele foi o Senhor; em
outros manifestou-se no primeiro instante, como aconteceu ao bem-aventurado
Nicolau, que permaneceu em pé em uma bacia no dia em que nasceu e tomava o
leite duas vezes por semana; em certos outros a graça manifestou-se na
infância, como sucedeu com as bem-aventuradas Agnes e Agatha e muitos outros,
os quais suportaram o martírio em idade muito precoce, como também, embora de
uma forma diferente, foi manifestada nesta virgem Rosa, que, como mencionado
nos documentos acima, desde a sua infância preparou ao Senhor uma habitação
muito deliciosa, e tanto Lhe foi agradável, que com a idade de três anos, ressuscitou
dos mortos uma tia morta de um dia.
Capítulo
Quarto – A infância de Rosa e sua doença
8 - Durante a infância esta
virgem começou a frequentar a igreja com a devota mãe, a ouvir frequentemente a
pregação dos Frades Menores e entender a Palavra de Deus com devotada
meditação. E então começou a desprezar o mundo e os divertimentos mundanos, a
evitar a avareza gananciosa, a abominar fortemente os prazeres da carne. Também
começou a amar Jesus Cristo, com toda a sua mente, a contemplá-Lo e unir-se a
Ele de todo o coração, e assim renunciar simples e irrevogavelmente ao mundo,
ao diabo e todas as suas vaidades. Ela começou a dominar o seu corpo com o
jejum, a renunciar a comida para doá-la aos pobres.
9 - Na sequência,
fazendo-se sentir sobre ela a mão do Senhor, começou a sofrer de uma languidez
grave e prolongada; durante esta doença, estando já os espectadores acreditando
que ela estava perto da morte, de repente, abriu os olhos, e começou a falar.
Aos circunstantes dizia ver o estado bom ou ruim daqueles que morreram.
Percebia muito claramente, referindo os nomes, algumas irmãs, que tinham
morrido vinte anos antes de seu nascimento, e que ela nunca tinha visto. Assim,
pois, deitada na cama, doente, a virgem Rosa, quase uma flor, apareceu-lhe a
gloriosíssima Mãe de Deus adornada de muitas joias, e decorada, como esposa
belíssima, coroada e cercada por todos os lados de um coro de virgens. Ao
vê-la, a virgem Rosa disse àqueles que estavam ao seu redor: "Como estais
tão descuidados e por que tanta demora em levantarem-se diante dela?
Levantem-se logo! Corramos!".
10 - E logo saiu da cama e
com as pessoas presentes saiu de casa e foi se encontrar com a Rainha Mãe de
Deus. E a Virgem Maria, perfumada de lírios, lhe disse docemente: “Ó Rosa, que
despontastes como um rebento entre outras flores virginais, guarda-me com os
olhos da mente, e, a meu exemplo, não tarda em ornar-te; e assim ornada e em
companhia de honestas mulheres, visita devotamente a igreja do precursor João
Batista, e do pobrezinho confessor Francisco. Finalmente te portarás até a
igreja de Santa Maria in Poggio; onde, durante a missa receberás a tonsura do
cabelo, e, despojada das vestes e ornamentos mundanos, revestida de cilício e
na cintura a corda de teu burrico, celebrarás as núpcias com o supremo Esposo:
realiza estas coisas devotamente louvando a Deus, e assim que vestir o hábito
da penitência, retornarás à casa paterna, e ali, vivendo santamente,
dedicar-te-ás à oração e aos louvores divinos. Farás fervorosas exortações ao
próximo, repreenderás os insolentes e aqueles que se desviaram do reto caminho
da fé, com força e coragem, deixando de lado todo medo. E se por isto tiver que
suportar censuras e desconforto dos pais, dos parentes ou de estranhos, não
deixe de suportá-los pacientemente. Porque por estas coisas ganharás o mérito,
e depois do mérito conseguirás o prêmio eterno.
Aqueles pois, que venham segui-la, receberão graças de Deus, vida eterna
e favores; aqueles que, ao contrário, te combaterem ou desprezarem, assim
permanecendo até o fim, receberão penas cruéis. E a Virgem Maria tendo dito
estas coisas, desapareceu.
Capítulo
Quinto - Aparição de Jesus a Santa Rosa
11 - Depois de ouvir da
Virgem Mãe as coisas mencionadas acima, a virgem Rosa, no dia seguinte,
executou o que a havia sido ordenado. Poucos dias depois apareceu-lhe Jesus na
cruz. Esta visão e cruel espetáculo, atormentou-a de uma dor e compaixão
imensas, ferindo-a de tal forma a alma, que por muitos dias não deixou de
bater-se no peito, puxar os cabelos e lacerar-se em outros membros. A partir
daí tornou-se hábito portar no peito as imagens de Jesus crucificado e da
gloriosa Virgem Maria; e, uma vez que o amor não permite que a mente do amante
descanse, durante a noite ela se levantava da cama e percorria as ruas e praças
da cidade, cantando com doce voz louvores divinos.
Capítulo
Sexto - Os pães transformados em rosas; os pássaros que voam sobre ela; a
restauração da jarra quebrada
12 - A virgem acima
mencionada era tão cheia de piedade e misericórdia para com os pobres de Cristo
que uma vez, saindo de casa para levar pão para os pobres, como costumava
fazer, a pedido de seu pai, que perguntou o que ela estava escondendo ao peito,
ela, obedecendo prontamente, abriu seus braços e seu colo apareceu cheio de
rosas multicoloridas.
13 – Da mesma forma,
continuando a benevolência divina para com ela, os pássaros iam até ela
enquanto comia e bicavam em seu peito as migalhas de pão. Esta virgem, cheia de
tanta graça de Deus Todo-Poderoso, foi um dia, com outras garotas de sua idade,
à fonte pública para apanhar água com a jarra, como é costume. Aconteceu que
uma delas quebrou a jarra que portava consigo, em muitos pedaços. A
bem-aventurada Rosa foi repreendida pelos pais da garota porque esta dissera
falsamente que Rosa, brincando, havia causado o acidente. Eles foram ao local onde se encontrava a
jarra quebrada, e, recolheram os pedaços e fragmentos, a citada virgem creditou
ao onipotente Deus que provasse sobre a jarra as suas virtudes, fazendo que
todos os pedaços e fragmentos retornassem ao seu lugar, como se a jarra nunca
estivera quebrada. E assim, por graça de Deus onipotente, a jarra foi devolvida
íntegra e sanada à garota, sem nenhum dano ou defeito, por mérito da dita
bem-aventurada Rosa.
14 - Por estes méritos da
virgem mencionada, conseguiu que uma vez, quando uma vizinha a havia roubado
uma ótima galinha e o negava, a justiça do Deus supremo fez aparecer
visivelmente na bochecha direita desta algumas penas da cor da galinha roubada;
a mulher, atingida pelo fato extraordinário, confessou para a virgem Rose, sua
vizinha, o furto da galinha; e assim, de modo miraculoso, subitamente as penas
desapareceram de seu rosto. Por estas maravilhas e milagres, acreditava-se que
a virgem Rosa, tendo vivido, se tornaria uma santa, havendo o Deus supremo
distribuído a ela tanta graça.
Capítulo
Sétimo - Como a bem-aventurada Rosa lutou contra os hereges
15 - Com simplicidade de
coração, pregava Jesus Cristo todos os dias para as pessoas, proclamando aos
bons os bens eternos, e aos maus os tormentos eternos.
Combatia, pois,
vigorosamente os heréticos e refutava suas heresias com argumentos claros.
Repreendia suas falsidades, e de forma muito clara demonstrava aos ouvintes as
falsas aparências dessas heresias, de modo que tudo parecia óbvio, como o era,
que o Espírito Santo falava através dela, porque tudo o que os santos disseram
de Deus, o disseram pela boca do Espírito Santo. Mas os hereges, que então
pululavam em Viterbo como joio no meio do trigo, começaram a estremecer contra
a virgem como cães raivosos, e com ameaças ordenaram-na que não mais falasse
das verdades da fé. Mas a virgem de Cristo, fortalecida do amor de Deus e com o
apoio da fé, desprezando as ameaças e deixando de lado todo o medo, anunciava
contra eles a palavra de Deus com confiança, afirmando estar pronta a dar a
vida para promover e defender a fé católica, de boa vontade.
16 - Os tolos e pérfidos
hereges, ouvindo isso, foram até o prefeito, que na época governava Viterbo em
nome do herético Imperador Frederico, e convenceram-no de que, se ele não
expulsasse da cidade de Viterbo a ela e seus pais, a população daquela cidade
se sublevaria contra ele, tal revolta seria seguida de ultraje, e até a sua
deportação. Ao ouvir isso, o prefeito enviou seus homens e ordenou à virgem Rosa
que se apresentasse ao tribunal com seus pais e partir para o exílio. Depois
que se apresentaram, ordenou imediatamente, sob pena de morte e confisco de
bens, que saíssem da cidade. Quando ouviram uma ordem tão grave e vendo as
dificuldades do tempo, por causa da neve e do frio, pediram que mitigasse a
ordem lhes concedessem esperar até que cessasse a inclemência do tempo,
"Porque - eles disseram - se sairmos agora, estaremos em perigo de morte
iminente". Mas o prefeito raivoso renovou a ordem, dizendo querer que
partissem imediatamente para que não fugissem da morte. Os pais da virgem Rosa,
incapazes de escapar do comando, deixaram a cidade, e caminharam durante todo o
dia através da aspereza das colinas do Monte Cimino e dos vales do mesmo monte
cobertos de neve.
Capítulo
Oitavo - Como previu a morte do Imperador Frederico
17 – No dia seguinte em que
chegaram em Soriano. Aqui residindo a virgem Rosa com seus pais, numa visão
noturna recebeu por meio de um anjo uma mensagem divina; pela manhã, então,
revelou ao povo: "Ouve, ó fiéis cristãos, e alegrem-se confiantes, porque
em poucos dias conhecerão novos troféus". Esta premonição foi feita pela
virgem Rosa na vigília de São Nicolau. Depois de alguns dias, chegou a Viterbo
a notícia de que o herege Imperador Frederico, que perseguia a Igreja de Deus,
morrera no dia de São Nicolau. A Santa
Madre Igreja ficou, então, animada pela morte de tão grande perseguidor, e a
profecia da virgem Rosa provou ser verdadeira e comprovada.
Capítulo
Nono - Como a bem-aventurada Rosa restituiu a visão de uma menina cega
18 – Em seguida, deixando o
castelo acima referido com seus pais, Rosa, a virgem de Cristo, foi para
Vitorchiano, e ficou lá por alguns dias. Os homens e as mulheres deste castelo,
tendo ouvido da sua santidade, a acolheram com alegria e devoção; e esta, em
sua simplicidade, exortou-os com palavras simples a deixar os vícios e adquirir
bons costumes e virtudes santas. Eles, então, ouviram devotamente, e cada dia
recebiam dela advertências para a salvação eterna. Naquele tempo, vivia no
castelo uma garota chamada Delicata, que era cega de nascença. Seus pais a
levaram até a virgem Rosa suplicando que orasse por ela, e, com a sua oração,
tão querida por Deus, desse-lhe a visão que lhe faltava. A virgem Rosa comovida
por suas súplicas pôs-se a orar; e depois de haver orado se levantou, e
colocando as mãos sobre a menina, esta passou a enxergar.
Capítulo
Décimo - Como a bem-aventurada Rosa se jogou no fogo e lá permaneceu ilesa para
confundir uma herege e conduzi-la de volta à fé
19 – Também, no mesmo
castelo de Vitorchiano de que falamos, havia uma pérfida herege, que investia
todos os dias contra a fé católica, e se opunha às palavras da virgem Rosa o
quando podia; mas a virgem Rosa, cheia de fé, golpeava com as flechas de
verdade a mencionada herética, e disputando e argumentando a refutava com
raciocínio claro. E o que mais? Porque aquela não queria convencer-se mesmo
assim, a bem-aventurada virgem Rosa decidiu convertê-la com fé que tinha, isto
é, com jejuns prolongados a fim de que a herege se arrependesse, não sendo
possível obter com meios naturais. Então, se ofereceu em jejuar durante vinte
dias, durante os quais não ingeriu qualquer alimento, mas, em virtude da fé,
permaneceu incólume de qualquer dano. Mas a herética respondeu: "Os lobos
e os grous passam muito tempo sem comer, mas mesmo assim vivem: como a natureza
lhes concedeu isto, pode fazer a mesma coisa contigo".
20 - A fiel virgem de
Cristo vendo que não podia converter aquela herética da sua infidelidade nem
com palavras racionais nem com eventos
extraordinários, fez preparar uma grande fogueira e pediu aos sacerdotes que
tocassem os sinos, de modo que a população se reunisse para testemunhar o
espetáculo, e, confiante na bondade de Deus, por cuja fé e lei lutava, se jogou
no meio do fogo, e depois de estar rodeada totalmente pelas chamas, ali
permaneceu tanto tempo quanto necessário para que o fogo se extinguisse
completamente. Ao fim, saindo de lá caminhando ilesa na frente da herética, na
presença de todo o povo do castelo citado, sem queimaduras na roupa e no corpo,
como se houvesse estado entre flores frescas, disse em voz alta: "Deixa de
lado a sua infidelidade e apresenta-se com obsequiosa devoção à lei
divina". A má herética, espantada com tão grande milagre, abandonou a infidelidade,
e se converteu plenamente à fé de Cristo; e assim, todas as pessoas presentes
irromperam em louvor ao Altíssimo, dando graças a Jesus Cristo, que tinha
conferido tanto poder à virgem Rosa.
Capítulo
Décimo Primeiro - Como a bem-aventurada Rosa deu visão a um cego
21 - Uma vez, um sujeito de
nome Andrea, que era cego há muito tempo, suplicou à virgem Rosa que
intercedesse por ele junto ao Senhor. E ela, que era de bom coração, movida
pela compaixão do pobrezinho, voltou-se a Deus orando por ele. Depois de orar,
foi-lhe restituída à visão, da qual fora privado.
Capítulo
Décimo Segundo - Como previu o que aconteceria com aquele que a feriu
22 – Um tal, incrédulo e
furioso, e bastante precipitado nas palavras e obras, atingiu um braço da
virgem, enquanto ela falava das coisas divinas. Dirigindo-se ele, a virgem
predisse: "Em três dias irá aparecer em seu corpo um sinal claríssimo, que
te fará distinto de outros homens." Aconteceu exatamente assim: de fato,
ao chegar o terceiro dia caíram todos os cabelos da sua cabeça e barba, e de
todas as outras partes do corpo, que o fez parecer um monstro horrível, em vez
de um homem.
Como
ocorreu que o corpo da bem-aventurada virgem Rosa foi transferido para o
monastério, onde se encontra agora
23 - E porque a serva de
Deus era desprezada pelo mundo, porque ela havia desprezado ganhar Cristo, ao qual só pode ser alcançado através da
humilhação, enquanto ela ainda vivia, e estava na casa de seu pai, foi até o
monastério, onde agora se encontra o seu cadáver, e pediu que as freiras a
aceitassem entre elas, de modo que entre as virgens sagradas, essa mesma
virgem, após a morte, se juntasse ao Esposo que ardentemente amava, ou seja, ao
Senhor Jesus Cristo. Porque as irmãs responderam que não podiam recebê-la,
sendo em número completo, a santa virgem disse-lhes: "Eu sei que esta não
é a causa, mas, porque em mim desdenhastes aquilo que Deus aceita totalmente, a
saber, que por Seu amor os sábios deste mundo são tolos a fim de tornarem-se
sábios. De fato, a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Mas, vós
deveis saber que ficarão felizes um dia em receberem morta aquela que
desprezaram em vida; e, de fato, ficarão”.
O que mais? Aconteceu que a
santa virgem morreu e foi sepultada na igreja de Santa Maria in Poggio, onde
permaneceu por dezoito meses. E imediatamente ela começou a brilhar por
milagres. E porque era conveniente que o mundo honrasse na terra aquela que
Deus havia glorificado no céu, e, além disso, para cumprir a profecia que
fizera a respeito de sua sepultura, no prazo de oito dias, ela apareceu três
vezes ao Sumo Pontífice, o Papa Alexandre IV, que estava então em Viterbo com
sua corte, dizendo-lhe em uma visão: "Uma vez que aprouve a Cristo
contar-me na fileira de suas servas, vós que sois Seu representante na terra
não faça diferente, mas vá direto para a igreja de Santa Maria in Poggio,
retira meu corpo e leva-o para o monastério de Santa Maria, da Ordem de Santa
Clara, pois ali deve ser o lugar do meu repouso".
24 - O papa negligenciou o
primeiro e o segundo convite, mas no terceiro aviso, ele percebeu que era
intervenção milagrosa. De manhã, levantou-se cedo e, acompanhado por quatro
cardeais, foi pessoalmente transportar para o mosteiro que lhe tinha sido dito,
e tomou por ela tanta devoção que, como ele mesmo disse às religiosas, tê-la-ia
canonizado se não tivesse que retornar a Roma.
Após a exumação do corpo
sagrado, muitos disseram que em sua tumba tinha sido encontrado como que um
óleo perfumado.
25 - À medida que todos nós
seremos salvos mediante a fé, e por meio da fé nós esperamos a vida eterna,
adoremos com fé inabalável aquilo que Sagrada Escritura fala de Jesus Cristo,
nosso Senhor, prestemos pois íntegra fé na narrativa do sagrado unguento do
corpo dos santos; e entre outros santos, acreditemos firmemente que a santidade
da virgem Rosa, demonstrada por estes milagres, a fim de que imitando-a
enquanto estamos vivos, e depois da morte, por sua intercessão junto a Cristo,
nosso Senhor Jesus Cristo vai dignar-se em dar-nos a vida da eterna felicidade
.
(Fim do Documento)
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[1] Tradução nossa da versão
em italiano em Paolo CENCI (1981).
[2] Seria interessante,
neste momento, a leitura do capítulo “Reconhecimento Canônico de 1995”, onde se
relatam as descobertas científicas sobre sua condição física e o fato, por si
mesmo milagroso, de alguém ter sobrevivido durante tanto tempo. Provavelmente,
Rosa encontrava-se em coma profundo, pois, antes de ter despertado neste dia,
não respondia aos estímulos dos circundantes.
[3] Isto transcorreu na véspera
do dia 24 de Junho de 1250, quando se comemora a Festa da Natividade de São
João Batista. São João tem outra memória no Martirológio Romano no dia 29 de
Agosto - Dia do Martírio de S. J. Batista -, quando se rememora sua decapitação
a mando do Rei Herodes.
[5] As igrejas de São João e
São Francisco são mais conhecidas, hoje, sob os nomes de "San Giovanni in
Zoccoli" e "Basilica di San Frascesco alla Rocca".
[6] A "Igreja della
Madonna" é a de "Santa Maria in Poggio", e era a igreja
paroquial de Rosa.
[7] Maestà é dito de uma imagem de Jesus ou de Nossa Senhora
entronados.
[8] Frederico II de
Hohenstaufen: Imperador do Sacro Império
Romano e sobrinho de Frederico I, o Barbarossa.
[9] Soriano nel Cimino,
Itália, Província de Viterbo.
[10] São Nicolau de Mira.
Isto ocorreu de 5 para 6 de Dezembro, pois a Festa de São Nicolau é no dia 6 de
Dezembro.
[11] Comune di Vitorchiano.
Itália, Província de Viterbo.
[13] CENCI, 1981, pg 183-197.
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